ALIMENTAÇÃO
Sóbria é a alimentação dos habitantes da Beira, a que não faz excepção o concelho do Sabugal. O pão centeio, a batata, o feijão, o grão de bico, a castanha, couves, acelgas e alfaces são os principais alimentos de todo o ano, em pouco variadas combinações, a que devemos acrescentar a carne de porco, alguma sardinha e bacalhau.
São quase vegetarianos, especialmente no verão, quando a dispensa está quase vazia.
O povo não compra vitela, nem vaca, raras vezes bacalhau, e nem sempre sardinha, porque só a compra quando é barata e em diminuta porção.
Um vintém de sardinha chega para toda a família, para um dia ou mais.
Muitas vezes vimos nós uma sardinha dividida por três e quatro pessoas, partida num prato com batatas em molho de azeite, água e vinagre.
O caldo de batatas com couves, de feijão ou grão com batatas, de castanha pilada com .feijão encarnado, e de simples batatas, sempre bem apimentados, batatas cozidas, com molho de azeite e vinagre e pimentos, as papas de milho miúdo ou grosso, feitas com leite, são manjares de todo o ano.
Bebe-se pouco, por haver pouco vinho, apesar de produzir bem a vinha na mor parte do concelho.
A carne de porco chega quase sempre à dona da casa para todo o ano, numa verdadeira maravilha de economia.
O toucinho, os presuntos, as chouriças, farinheiras e morcelas, são cortados em pedaços e calculadamente distribuídos pelos dias de festa e de semana, levando-se em conta a eventualidade em que se está de aparecer um hóspede, um parente ou um passageiro.
A única cousa em que ela não é económica é no bucho, que é comido quase sempre num dia por toda a família e parentes.
Os lombos de porco são picados para chouriços, depois de se ter tirado um pedaço para oferecer ao pároco, a algum parente ou pessoa mais graduada, como o professor.
No Sabugal é costume oferecer aos amigos e parentes uma morcela e um pedaço de fígado, que eles depois agradecem, dando iguais cousas quando matam porco. Este costume dá a ideia da amizade dos vizinhos. O
povo come melhor no inverno, já porque o clima é frio e é preciso alimentar-se bem para lhe resistir, já porque, trabalhador e activo como é, cria sempre porcos, sendo raro o vizinho que não cria um bom porco, e guarda para esse tempo os produtos criados no verão, cereais e legumes, para se não enfastiar da carne.
À noite, mesmo na casa dos menos abastados, é costume assar chouriças e castanhas à lareira, que a família come depois da tigela de caldo de batata ou caldo verde de couves galegas ou hortos, como lhe chamam noutras províncias.
Não existe cozinha sem espeto para assar chouriças e sem assador de barro ou de ferro para assar castanhas.
Em casa dos lavradores consome-se muito leite e soro e o queijo aparece sempre, havendo povoações onde ele é delicioso, amanteigado, de massa luzidia e branda, como na Lomba, Vale Mourisco, Rendo, Ruvina e Vale das Éguas.
Quando aparece em casa um amigo ou parente ou mesmo um desconhecido, pedindo pousada, vem logo a dona da casa com um queijo num prato, põe sobre a mesa um guardanapo de mantens e, como raramente compra pão trigo, ou pão alvo, e se envergonha de oferecer centeio, dá uma corrida a casa duma vizinha que o tenha comprado à padeira, enquanto o dono da casa entretém o hóspede e traz depois um jarro de vinho.
Às vezes, na aldeia, só em casa do padre aparece um trigo, que salva a situação.
O jantar das festas
À sobriedade da alimentação durante o ano inteiro há que exceptuar os dias de festa, em que todos se preparam para receberem condignamente os amigos.
Os mordomos oferecem aos padres que figuram na festa da igreja um abundantíssimo e variado jantar, onde figuram sempre belas iguarias.
Fazer uma ementa exacta seria muito arriscar. Nela figura sempre boa vitela e vaca, presunto, bons frangos, patos, coelhos, lebres e perdizes, leitões bem assados, trutas te enguias, aletria, arroz doce e leite creme. . .
Ao jantar assistem não só os padres, mas também muitos convidados e pessoas que sempre aparecem à festa.
Depois do jantar há sempre grandes conversas sobre variados assuntos e os convivas só retiram no fim do dia.
FONTE:
TERRAS DE RIBA-CÔA. MEMÓRIAS SOBRE O CONCELHO DO SABUGAL
Joaquim Manuel Correia - Lisboa 1946