O CARACTER DO POVO. AS FESTAS O PASSEIO DOS MOÇOS
Bailes populares. O tambor, a viola, o adufe.
Povo religioso, sem grandes fanatismos, é, como os vizinhos espanhóis, alegre, divertido, sentimental e apaixonado pela música, poesia e pelos touros.
É pacato, respeitador, corajoso e leal e tem pela vida militar pronunciada predilecção, como pode observar-se por ocasião das festas principais, na maior parte das freguesias do concelho, em que grande número de rapazes de mais de 18 anos, e alguns até de trinta, executam exercícios militares, formados na melhor ordem.
Todos os moços solteiros da freguesia, os criados de servir, mesmo de fora dela, pastores ou ganhões (abegões) são ensinados durante um mês ou mais antes da festa por algum que fosse militar, isto em todas as noites.
No dia da festa, todos os que foram militares aparecem fardados e os outros pedem fardas nas povoações próximas e, todos armados de espingardas, e o comandante, assim como os mordomos, vestindo fardas de oficiais de antigas milícias e com as respectivas espadas, percorrem as suas aldeias, levando à frente um tambor, que nunca falta em festa alguma.
Aquela aguerrida hoste, bem disciplinada, com seu capitão e alferes, cabos e sargentos, com fardas das diferentes armas, segue com todo o garbo militar e percorre as principais ruas do povoado, disparando tiros livremente, para o ar.
Em frente da igreja e nos largos principais executam várias evoluções e manobras.
Nalgumas freguesias ainda hoje existe o costume de as mordomas seguirem à frente do batalhão com açafates enfeitados, contendo pão de trigo comprido e torcido ou bolos em forma de coroa, a que dão o nome de roscas.
Depois das evoluções, entram na Igreja, assistindo à festa.
O comandante dá-lhes ali voz de comando, o tambor rufa à elevação do cálice e da hóstia e tudo dá a ilusão de que no templo está uma companhia de qualquer regimento.
À saída da procissão segue aquela hoste com todo o respeito e gravidade e depois de terminar a festa da igreja dá descargas estrondosas.
Depois do jantar vão visitar os novos mordomos e as pessoas mais gradas da freguesia, que lhes oferecem doces e vinho, que eles agradecem sempre com descargas, depois da frase consagrada: «Lá vai à saúde do Sr. F. e sua ilustre família».
O povo corresponde sempre e acompanha o batalhão nos vivas e aclamações e o tambor toca uma alvorada.
É antigo este uso no concelho, ignorando-se a sua origem.
Ao passeio dos moços, nome dado àquele exercício e característico divertimento, seguem-se depois as danças populares nos terreiros ou largos melhores da povoação, ao som do rufo do tambor e, em seguida, ao do adufe e do pífano.
As raparigas com seus trajos garridos dançam com os simulados soldados, que nos bolsos trazem sempre lenços brancos bordados a várias cores, tendo quadras amorosas em volta, em versos sentimentais, corações sangrando e flores caprichosas.
Os velhos contemplam isto com saudade, enquanto os filhos dançam o fandango, a chula, a romaldeira, o saloio, e variados jogos de roda, ao ar livre e às vezes ao luar.
São conhecidos nos regimentos os rapazes habituados a estes exercícios, porque aprendem com mais facilidade.
Já foi indicado este facto, como lição aos nossos legisladores, para em cada freguesia ser obrigatório o ensino dos exercícios militares, havendo em cada concelho um ou mais batalhões, com um certo número de oficiais, que ministrassem aos moços a instrução e disciplina, ao menos um dia em cada semana, evitando desse modo que aos campos fossem roubados tantos braços e às famílias tantas vezes o amparo, durante tanto tempo.
Em cada paróquia, haveria um instrutor, cabo ou sargento; na sé de do concelho um ou mais oficiais e no distrito os restantes oficiais indispensáveis, com os soldados, que não deveriam ter mais de três meses de serviço permanente. Isto e o mais que a prática aconselhasse e que a índole deste trabalho e pouca competência sobre o assunto impedem de desenvolver, evitaria grandes despesas e dava maior utilidade ao país.
FONTE:
TERRAS DE RIBA-CÔA. MEMÓRIAS SOBRE O CONCELHO DO SABUGAL
Joaquim Manuel Correia - Lisboa 1946