top of page

USUS E COSTUMES FUNEBRES

Um povo de carácter obsequiador, alegre, divertido e sentimental, não podia ficar insensível perante as tristezas e luto dos vizinhos ou quando lhes sucede alguma desgraça.

Quando um vizinho falece, todos os outros levam para casa deste uma candeia de folha ou candeeiro de latão, conforme as circunstâncias de cada um, sendo todas penduradas numa corda em volta da sala ou compartimento onde está o defunto, e este velado durante a noite pelos vizinhos, que rezam continuamente, pranteiam e consolam a família, derramando água benta sobre o cadáver quando entram, ajoelhando em seguida e rezando por ele e por todos os parentes falecidos.

Sobre uma mesa está sempre um crucifixo, entre duas velas acesas, e algum velador para candeias de folha que não cabem já nas cordas, seguras ao longo das paredes.

É costume dos que entram dizerem sempre palavras de consolação aos parentes, fazendo o elogio do finado, o que às vezes dá lugar a que os parentes irrompam em gritos e lamentações, recordando todos os actos bons do falecido, em longos improvisos que causam dor e provocam lágrimas sinceras.

Não faltam, porém, carpideiras maliciosas e interesseiras, dizendo quanto lhes ocorre, no intuito de cativarem a família e obterem grata recompensa.

Em Vila Boa, Quadrazais e outras povoações, os que chegam dirigem-se ao defunto e pedem-lhe para dar visitas aos pais ou outros parentes falecidos, mandando até abraços aos irmãos, aos primos e outras pessoas finadas.

É por vezes difícil retirar o cadáver de casa, porque a família, os parentes e amigos, em altos gritos e abraçados ao esquife ou ao caixão, o que é mais raro, obstam a isso, por muito tempo, tirando às vezes fragmentos da mortalha.

 

ESMOLA DE PÃO COZIDO

Enquanto tal se passa, um vizinho, quando o defunto deixa bens, distribui, a cada pessoa presente, pedaços de pão centeio, que pobres e até ricos aceitam.

Depois do enterro é costume oferecer jantar aos padres e pessoas que assistem, o que tem lugar em casa dum parente ou pessoa de amizade.

 

Durante um mês há o costume de levar as ofertas, que consistem em uma pequena porção de trigo ou centeio em grão oferecido pelos parentes, amigos e vizinhos, o que representa o valor de uma missa, dando alguns dinheiro, ficando a família enlutada com obrigação de retribuir quando falecer pessoa de família dos ofertantes.

As ofertas são entregues nos domingos dos acompanhamentos em bolsas ou taleigos, sendo nos dias uma mulher encarregada de oferecer, isto é, mandar rezar ao pároco responsos, que vai pagando logo, oferecendo por cada um 20 reis.

Os acompanhamentos consistem em, todos os quatro domingos e parte dos dias de semana, irem os vizinhos e amigos até à porta da casa da família enlutada, acompanhados do pároco, que ora pela alma do defunto.

 

Assim como no dia do enterro, a família dá jantar aos parentes e amigos de fora da terra, que trazem oferta ou assistem aos acompanhamentos.

No fim do mês há ofícios, bem como quando faz o ano do falecimento.

 

Estes, acompanhamentos, ofertórios, trintários de missas e responsos, constituem o que se chama o bem de alma.

Torna-se urgente uma reforma a respeito do pagamento de bens de alma neste e outros concelhos do distrito e bispado da Guarda.

Em todas as freguesias do extinto bispado de Pinhel, os bens de alma são muito mais dispendiosos e têm por isso originado queixas, reparos e justos comentários.

Há freguesias onde se exigem 36000 reis por um bem de alma completo e outras em que o máximo do dispêndio importa em nove mil reis e ainda menos.

Tal diferença não se justifica actualmente, porque dentro do mesmo bispado, em igualdade de circunstâncias, pelos mesmos serviços, não podem, nem devem uns párocos receber mais do que outros.

 

Não se compreende que para sufragar as almas de seus defuntos os parentes tenham de despender 36000 reis nas freguesias pertencentes ao extinto Bispado de Pinhel e apenas 9000 reis e ainda menos nas outras freguesias, não variando as circunstâncias económicas duns para outros, nem os serviços prestados pelos párocos.

 

Compreende-se que se respeitassem os usos e costumes eclesiásticos dos párocos já colados ao tempo da extinção do referido bispado, mas não os colados ou encomendados posteriormente.

Nem é justo, nem racional, tal costume, que deve desaparecer, mesmo para prestígio da própria classe, cujos membros deveriam entender-se no sentido de se harmonizarem os interesses deles com as reclamações dos povos.

Se é diminuta a retribuição nas freguesias do distrito da Guarda, que ela seja elevada e atinja mesmo os graus admitidos na do extinto Bispado conforme a fortuna do falecido, se isso realmente for justo, mas esta desigualdade fere, ofende o espírito menos susceptível.

Respeitem-se direitos adquiridos, mas acabe-se com desigualdades, que, ao mesmo tempo que ofendem o povo, prejudicam a classe eclesiástica.

FONTE:

TERRAS DE RIBA-CÔA. MEMÓRIAS SOBRE O CONCELHO DO SABUGAL

Joaquim Manuel Correia - Lisboa 1946

Aldeia de Rendo., criado com Wix.com

bottom of page