NOITES SE SÃO JOÃO E SÃO PEDRO NO SABUGAL. - OS CARVALHOS - AS FOGUEIRAS E ALTARES
São curiosos, embora simples, os festejos nas noites de S. João e S. Pedro.
Quinze dias antes, ranchos de rapazes e raparigas, aos domingos, vão colher rosmaninhos e bela-luz, pelos campos, quase sempre de noite, para que os donos dos prédios não ralhem.
Quinze dias antes não é muito para o rosmaninho e bela-luz secarem, mas é preciso também ensaiar os cantos e preparar os adufes, afina-los bem para acertarem com os pífanos dos pastores e contar com rapazes que saibam notar (improvisar) para cantarem à viola, ao desafio, o que nalgumas aldeias dá mais realce à festa.
Em quase todas as aldeias, mas principalmente na vila do Sabugal, há o costume de cravarem nas ruas ou largos principais altos pinheiros, que cobrem de rosmaninhos, dando-lhes o aspecto de ciprestes, deixando-lhes no cimo e dos lados muitos foguetes e bandeiras e por vezes um cântaro com um gato dentro.
Perto do carvalho, nome dado ao pau revestido de rosmaninho, eleva-se um altar, bem ornamentado, improvisa-se um jardim e um repuxo e ali se colocam muitos vasos com flores, craveiros, manjericos, sécias, melindres, etc.
Em volta do altar, onde há estampas e imagens de S. João, estão muitas raparigas recebendo os visitantes, que de rua em rua percorrem todos os carvalhos, enquanto numa bandeja vão de- pondo o que querem, para ajuda das despesas, e perto do carvalho um grande rancho dança animadamente ou canta o S. João com acompanhamentos de pífanos e adufes ou executa jogos de roda.
Às dez da noite os ranchos de cada fogueira, ou, melhor diremos, de cada carvalho, visitam todos os outros, entoando o S. João e tocando adufes, pífanos e violas, num entusiasmo indescritível.
Todas as famílias percorrem as ruas e visitam os carvalhos.
Nessa noite as raparigas têm toda a liberdade, as mães confiam nelas, embora as vigiem mais ou menos; mas todas se enfeitam e nunca há razões de queixa.
Mal soa a meia noite lançam o fogo a um dos carvalhos, cujas labaredas se elevam a grande altura e, depois, aos outros, sucessivamente, ficando a vila iluminada como por encanto, por tantas fogueiras, estalando nos ares grande número de bombas e morteiros.
Quando chega o fogo ao cimo do carvalho rebentam os morteiros e girândolas e, de vez em quando, raramente, despenha-se do alto o cântaro, de onde, ao cair na calçada, o gato foge espavorido e quase sempre incolume, desaparecendo do povoado, miando, assanhado, temível, ameaçador, ao som do alarido dos rapazes.
É raro já tão bárbaro costume.
Mal o carvalho começa a arder, todos os ranchos cantam, entoando o S. João num verdadeiro delírio.
São inumeráveis as cantigas que se ouvem e delas apenas copiaremos algumas:
O S. João embarcou
Eu bem no vi embarcar
Embarcou para a Mourama
A os mouros foi a pregar.
No altar do S. João
Nasceu uma cerejeira...
Qual seria o bem-ditoso
Que lhe comeu a primeira?..
S. João p'ra namorar (1)
Fez uma fonte de prata
As moças não vão a ela
S. João todo se mata
O que se passa na vila acontece noutras povoações, embora com maior singeleza e talvez mais encanto e poesia.
Tanto na noite de S. João como na de S. Pedro, não há casa junto da qual não façam fogueiras de rosmaninhos e bela-luz, pulando sobre elas, defumando-se, homens e mulheres, numa verdadeira devoção e crença de que assim ficam livres de doenças; não há aldeia onde se não façam os carvalhos, isto é, se enfeitem pinheiros, revestindo-os de rosmaninhos.
E onde os carvalhos vão rareando são estes substituídos por fogueiras, não havendo casal onde se não toque adufe e cante o S. João.
Todos gostam de beber água em jejum j só os mandriões deixam de regar as hortas antes do nascer do sol j muitas pessoas expõem ovos à orvalhada da noite de S. João para descobrirem o futuro.
Há muito quem creia que para curar sezões não há melhor remédio do que, na madrugada da noite de S. João, deitar- se sobre uma relva ou linho viçoso, cobertos de orvalho.
São curiosas as cantigas e os costumes nessa noite, em volta das fogueiras. Cada um que salta por cima destas vai sempre dizendo:
Sarna em vós
Saúde em nós
Sarna no Manel,
Saúde na Zabel. . .
Estas e outras parelhas improvisadas servem para provocar e estimular os versejadores populares, que vão sarnar-se, isto é, saltar as fogueiras para se livrarem de sarna e outras doenças.
FONTE:
TERRAS DE RIBA-CÔA. MEMÓRIAS SOBRE O CONCELHO DO SABUGAL
Joaquim Manuel Correia - Lisboa 1946